terça-feira, 8 de junho de 2010




"o cheiro do sangue humano não desgruda seus olhos de mim" .

"o amor é uma doença dolorosa, penosa, mas também uma necessidade".

[francis bacon]

o último inverno de Seu Fulano

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O último inverno de Seu Fulano
07 de junho de 2010 | 0h 00

José de Souza Martins - O Estado de S.Paulo

Primeiro, apareceu a carcaça de uma velha perua Kombi na rua que ladeia uma pequena praça no Rio Pequeno, no Butantã, por onde passo com frequência. Depois do carnaval na Avenida Escola Politécnica, carnavalescos costumam largar carcaças de carros alegóricos pelos cantos do bairro. Uma tranqueira a mais ou a menos já não surpreende.

Dias depois, notei que alguém estava entulhando o veículo com pacotes e caixas de papelão, coisas catadas no lixo. Sobre a carcaça, caixas de madeira, objetos mais pesados e menos vulneráveis à chuva. Dependurado na dobradiça da perua, um surrado guarda-chuva de tecido estampado, de cor pastel. Um dia, vi o autor da obra: era um velho, de cabelos brancos, boné de pano na cabeça, vestindo paletó bege encardido, calça azul desbotada. Em diferentes horas do dia lá estava ele, arrumando os bagulhos, tentando acomodá-los para ter mais espaço para mais bagulho. A carcaça de um Fusca apareceu providencialmente ao lado da perua. Quando a vi, também estava com muita coisa dentro. Mas nela ainda havia espaço para abrigar o atarefado morador.
Não foi difícil perceber, ao cabo de alguns dias, que o idoso tentava construir na rua uma casa imaginária, de dois cômodos: um para acumular, na perua, e outro para morar, no Fusca. De gente do bairro, tentei saber quem era ele e saber o porquê daquilo.

Fiquei sabendo que tinha moradia ali por perto. Os filhos que com ele moravam o teriam expulsado de sua própria casa. Era aposentado pelo INSS. Fui entendendo aos poucos o que estava acontecendo.

Seu Fulano passara a morar na riqueza imaginária do lixo acumulado, que organizava e guardava como pertences, forma anômala de criar raízes, de "ter" para ser. Doloroso desdobramento da cultura que rege esta sociedade, em que quem não tem também não existe social e politicamente. Seu Fulano foi se transformando num homem residual. Havia quem durante a noite contribuísse para amontoar, ao redor dele, mais lixo. Na estética da miséria, uma cruel instalação: o homem do lixo foi sendo convertido sorrateiramente num homem de lixo.

Há algumas semanas alguém, durante o dia, aproveitando sua ausência, pôs fogo naquilo tudo. No dia seguinte, só havia um monte de cinzas. As carcaças residuais da moradia fictícia haviam sido removidas. O velho estava atrapalhando o trânsito. Quase ao lado, na mesma praça pública, moradores haviam construído um oratório votivo, sempre bem cuidado. Pia ocupação do espaço público pela crença particular. Fortaleza da guerra santa entre as religiões. Embora violação da laicidade republicana, oratório pode; gente, não.

No dia 21 de maio, fiquei sabendo que Seu Fulano morrera durante a fria noite anterior, em outra rua do bairro. Fora despejado da vida. Ele inaugurara o inverno de 2010 dos moradores de rua.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"viver é um troço duro. morrer é o trabalho máximo".

[bandini]

...

de um lado a menina de vestido preto, sem sutiã. pude ver parte de seios quando ela se sentou e começou a comer açaí.

do outro lado o bebum, sendo chamado para ir embora por uma mulher.

à minha frente uma menina que aparece na janela de tempos em tempos .

[a mulher com o bebum é gorda e tem uma pequena tatuagem nas costas. talvez tenha sido bonita algum dia.]

[foi triste e comovente vê-la saindo abraçada com ele.]

ali á direita, a., que se apresentou a mim, me procurou, e que agora finge não me conhecer.

[yeah jess people do get sick of me]

a pessoa na janela apareceu. não consigo vê-la direito.

passa o cara que andava com o rádio na orelha mas que parece ter desistido do rádio há algum tempo.

[vem olhar pra mim menina da janela]

...

o mundo está cheio de aberrações.

aberrações que trabalham e pagam suas contas e etc.

[cadê o meu colega ladrãozinho. apareceu um. ele mora em inácio monteiro.]

...

e dá-lhe lenine.

alma sebosa é mais barato.

...

"ah vida tua amarga doce tragédia sua puta deslumbrante que me levaste à destruição"

[bandini]